Tempo: uma arma perigosa para a criatividade
“As pessoas costumam ter suas melhores ideias quando o tempo está apertado – pelo menos é o que muitos executivos acreditam. O problema é que isso não é verdade” (Grifos meus). Essa frase não é minha. Ela é da Teresa Amabile, professora da escola de negócios da universidade de Harvard e uma das principais especialistas do mundo em criatividade.
A frase está escrita no início de um artigo que ela publicou, junto com mais dois colegas, na revista Harvard Business Review. Esse artigo tem um título bastante sugestivo: “Criatividade sob a mira de uma arma”. Tratarei do artigo daqui a pouco.
Antes, uma constatação. No cotidiano do trabalho, uma arma pode estar apontada diretamente para a sua criatividade e, talvez, você não perceba isso. Essa arma tem um nome: tempo. Ela também está na mão de alguém. Advinha de quem? Do seu chefe. É ele quem, muitas vezes (outras não) sem perceber, aponta o canhão para você.
Nesse texto, eu vou mostrar como o excesso de pressão do tempo é um inimigo dos processos criativos. Vou apresentar também como é possível proteger a criatividade desse adversário tão comum nas empresas e na vida profissional de muitas pessoas.
Carro apertado é que anda
Temos cada vez mais a sensação de que o tempo passa rápido. Sentimos, constantemente, uma pressão maior por produtividade. Muitos gestores usam a pressão como uma forma para criar senso de urgência nos funcionários, estimular a geração de novos insights e aumentar a produtividade. Isso é adequado? Algumas pessoas dirão que sim. Elas também darão exemplos de como foram produtivas em situação de escassez de tempo. Descreverão, ainda, casos em que testemunharam o efeito mágico que a pressão do tempo exerceu nos seus subordinados. Porém, uma resposta mais prudente a essa pergunta seria: depende.
No curto prazo, pode até ser que a pressão funcione. Afinal de contas, como diria o ditado popular, “carro apertado é que anda”. É preciso reconhecer que a criação de um senso de urgência tira as pessoas da inércia e faz com que coloquem para fora as suas ideias. No entanto, no médio e longo prazo, a história muda um pouco de figura, especialmente, quando estamos falando de criatividade.
Se carro apertado é que anda, é também o primeiro a quebrar. Quando os gestores colocam a criatividade sob a mira de uma arma, ao invés de estimulá-la, estão matando qualquer chance de ela aparecer. Os funcionários se sentem esgotados, o que reduz o potencial criativo das equipes. Ao término de muita pressão, eles estarão quebrados!
De um modo geral, boas ideias demandam um tempo adequado para serem digeridas e processadas. A criatividade acontece com a combinação de ideias e conceitos distintos que estão na cabeça das pessoas e que foram desenvolvidos a partir de experiências passadas. Essa combinação não é imediata. Ela requer um período de incubação para que as melhores conexões sejam feitas em prol da criação de algo novo e útil. Nesse sentido, pressionar muito os funcionários não é uma boa opção. É isso que as evidências indicam.
Relação entre criatividade e pressão do tempo
Agora podemos voltar ao artigo que eu mencionei no início do texto. Teresa Amabile e colegas realizaram uma pesquisa com 177 funcionários de 7 empresas diferentes dos EUA. Os autores queriam entender a relação entre criatividade e pressão do tempo no trabalho, a partir da percepção desses funcionários. Dois resultados da pesquisa são bem interessantes. Eles mostram que o excesso de pressão do tempo:
1- Reduz a criatividade.
Se você respondeu positivamente à pergunta anterior sobre se a pressão do tempo é adequada para que as pessoas produzam mais e sejam mais criativas, talvez seja melhor repensar a sua posição. Não foi isso que a pesquisa da Amabile e colegas revelou. De acordo com os autores, quando sofrem pressão extrema, as pessoas se sentem distraídas e preocupadas com os prazos apertados. Isso faz com que elas direcionem suas energias menos para a criatividade e mais para a finalização da tarefa.
Em situações de muita pressão, o trabalho fica fragmentado ao longo do dia, com muitas atividades diferentes, dentre elas reuniões e discussões com grupos variados. Essa fragmentação dificulta o foco em atividades específicas e a busca por resolução criativa de problemas.
2- Gera uma ressaca de pressão do tempo.
Uma pressão muito alta nos funcionários para que eles finalizem logo as tarefas reduz a criatividade não somente no dia em que a pressão do tempo aconteceu, mas também nos dois dias seguintes. Quase todo mundo tem uma lembrança nada agradável do dia em que exagerou na bebida, passou mal e ainda ficou o dia seguinte inteiro de ressaca, sem disposição alguma.
Pois é, algo parecido acontece quando os funcionários sofrem uma pressão muito grande em um dia de trabalho. Eles ficam de ressaca da pressão do tempo. Essa ressaca pode fazer com que os funcionários passem boa parte da semana exaustos, sem disposição e, portanto, menos criativos.
Tempo demais também é ruim
Você pode estar pensando que o ideal seria as pessoas terem o tempo que quiserem para explorar a sua capacidade criativa. Apesar de parecer uma boa ideia, não é. Assim como uma pressão muito grande, ter tempo demais também é prejudicial para a criatividade.
Um resultado bastante curioso da pesquisa é que a ausência completa pressão do tempo reduz a criatividade dos funcionários. Se as pessoas têm muito tempo de sobra, elas tendem a perder o foco do trabalho e a se engajar em outras atividades. Elas também recebem menos encorajamento por parte dos chefes e se envolvem pouco em trabalhos colaborativos.
Além do mais, elas acabam empurrando as tarefas para muito próximo do prazo final, o que sempre gera correria e desespero para finalizar uma tarefa. Definir, claramente, prazos razoáveis para a execução das atividades é sempre um caminho desejável.
Como proteger a criatividade da pressão do tempo?
Nem sempre é possível evitar a pressão do tempo. Muitas coisas fogem do controle dos gestores e dos funcionários. Situações emergenciais acontecem. Elas fazem parte do jogo. Eventualmente, a arma da pressão do tempo vai ficar apontada para você. No entanto, é possível proteger a criatividade.
Ao compararem os dias de pressão do tempo em que os funcionários foram criativos com os dias de pressão do tempo em que os funcionários não foram criativos, os pesquisadores encontraram um padrão nos dias de alta criatividade. Esse padrão dizia respeito à algumas condições de trabalho que protegiam a criatividade. São elas:
1- O meio termo é o ponto ideal. Os excessos são sempre prejudiciais. Por isso, deve-se evitar uma alta pressão para que as pessoas terminem logo as suas tarefas, assim como deve-se evitar conceder excesso de tempo para a execução das atividades.
2- Dar liberdade as equipes de inovação. A empresa deve possibilitar que as equipes que estão desenvolvendo projetos inovadores fiquem liberadas das atividades menos essenciais e não relacionadas com o projeto principal.
3- Trabalhar sozinho. O trabalho em equipe é parte importante do processo criativo. Mas, em alguns momentos, é crucial se isolar e trabalhar sozinho para evitar interrupções. Ser criativo requer foco, durante várias horas seguidas, em uma única tarefa específica. A fragmentação do trabalho ao longo do dia com reuniões, e-mails e telefonemas interrompe o estado de flow, algo essencial no processo criativo.
4- Criar uma noção de missão em cada tarefa. É preciso que as pessoas tenham clareza sobre a importância e relevância das suas atividades para empresa, especialmente se o trabalho envolver alguma urgência. Dessa forma, a urgência deixa ser percebida como uma limitação e passa a ser percebida como um desafio a ser superado e uma missão a ser cumprida.
A pressão do tempo nem sempre é ruim para a criatividade. O problema é quando ela ocorre de forma excessiva e contínua. O importante é aprender a criar condições para a criatividade florescer e saber lidar com algum nível de pressão. Como os próprios autores da pesquisa afirmam, “a melhor situação para criatividade não é estar sob a mira de uma arma. Mas se você não consegue evitar que isso aconteça, pelo menos aprenda a se desviar das balas”.
Referência
Amabile, T. M., Hadley, C. N., & Kramer, S. J. (2002). Creativity under the gun. Harvard Business Review, 80(8), p. 52-61.
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